Um policial à paisana caminha em direção a uma casa lotérica. Ele porta uma pistola que está carregada e pronta. Enquanto anda, o policial confere as contas que precisa pagar; ele entra na casa lotérica, e então alguém aponta uma arma para ele e anuncia o assalto.
Enquanto isso, outro policial sai do supermercado empurrando o carrinho de compras. Ele também porta uma pistola que está carregada, mas não pronta. Durante o trajeto até seu carro, este policial observa o ambiente à sua volta. A poucos metros do veículo, ele percebe a aproximação de dois suspeitos. Então, o policial precisa tomar uma decisão e agir.
Agora a pergunta: qual destes policiais está real e completamente pronto para o confronto? A resposta: nenhum. Mas, por quê?
Porque muito da capacidade para se estar a salvo depende de três fatores básicos. Estes três elementos formam um triângulo de autodefesa sustentável. Contudo, basta retirar um dos elementos para que o triângulo se desfaça. Os princípios da autodefesa são o estado de alerta, o preparo mental e a prontidão para reagir rápido e de modo eficaz. Então, uma análise superficial dos eventos mencionados mostra que embora os policiais possuíssem planos de autodefesa, ambos eram falhos, pois faltava um dos elementos. O primeiro policial estava pronto, porém desatento. O segundo estava alerta, mas incapaz de ser rápido o suficiente.
O estado de alerta é provavelmente o atributo mais importante que alguém pode possuir, pois é a capacidade de observar as pessoas e as situações visando à antecipação ao perigo que está à espreita. E quanto mais cedo você detecta e reconhece um problema em potencial, mais opções você tem para decidir como resolvê-lo. Apesar disso, algumas pessoas relatam que criminosos costumam surgir do nada. Mas a verdade é que as vítimas potenciais estão tão desatentas que são incapazes de perceber a presença e a aproximação dos suspeitos. Em outras ocasiões, a falta de atenção conduz você para situações perigosas. E até que você perceba o que está acontecendo, já não há muita esperança. É como se você estivesse caminhando e olhando para os pés, e quando olhasse para frente se deparasse com os becos de uma favela. Então, quão rápido você percebe o que está realmente ocorrendo? Como já disse em outro artigo, quanto mais atento você estiver, menor a sua chance de ser pego de surpresa.
O preparo mental surge da necessidade de não se cometer erros nas situações mais importantes e decisivas. Situações que fazem a diferença entre viver ou morrer. Como o nome já diz, o preparo mental é um treinamento prévio baseado na imaginação. Funciona, grosso modo, da seguinte maneira: um colega lhe conta uma história sobre outro policial que foi assassinado durante um assalto num cruzamento qualquer. E o que você faz? Você vivencia mentalmente esta história como se você fosse a vítima, mas analisando a ocorrência e reagindo de modo que sobreviva ao confronto. É como se você se perguntasse: “O que eu faria de diferente se fosse comigo?” Com este tipo de treinamento, sua mente diz ao corpo o que fazer. Mas, sem esta preparação antecipada, seu corpo hesitará – até mesmo para escapar. Na confusão, descrença e incerteza de uma agressão, você precisa forçar seu corpo para reagir a tempo. E é aí que entra o preparo mental, pois ele diminui o tempo de paralisia.
Você já pensou se seu modo de vida atual e o cuidado com a própria segurança permitem perceber a aproximação do suspeito? Será que sua mente está realmente preparada para ordenar que você saque sua arma daquele coldre barato que está debaixo da camisa, e então carregue e fique pronto antes de receber o primeiro tiro? Quando você imagina um confronto, você normalmente perde ou sobrevive?
Enquanto algumas pessoas escolhem não utilizar a força física como meio de autodefesa, outras não têm tanta delicadeza. Mas, cada uma das escolhas carrega responsabilidades e é preciso pensar e decidir sobre isso antes, e não no momento do confronto.
O terceiro elemento é frequentemente difícil de definir. Significa quão pronto você está para fazer o que tem que ser feito nos poucos segundos que lhe restam. É a capacidade para reagir rápido e de modo eficaz, sendo o esforço, a reação de último momento. Se a situação chegar a esse ponto, você está autorizado a fazer o que for necessário para impedir a ação criminosa.
Como policial, você deve saber quando usar ou não a força, pois mesmo a violência possui diferentes níveis. Sua reação não tem relação com uma disputa insignificante, mas tem relação em não ser ferido ou morto em função da violência. E se a reação é de último momento, então você deve carregar sua arma e ficar pronto – com “bala na agulha” – antes de sair de casa. Quando uma situação chega ao extremo e é hora de usar a força, você deve estar pronto, pois do contrário, o despreparo tomará de você aqueles segundos que você não pode se dar ao luxo de perder.
Alguns policiais acreditam tanto nas técnicas de “tiro israelense” – nas quais se saca a pistola enquanto a mesma é alimentada – que acabam apostando a própria vida na crença de que o tempo gasto para estar realmente pronto é muito curto. Contudo, este tempo não significa simplesmente aquilo que se gasta para carregar uma arma e ficar pronto. Tempo também inclui o período que levará para que sua reação tenha algum efeito, porque mesmo a força letal leva tempo para se manifestar. Assim, você consegue fazer o que precisa ser feito, já?
Não se esqueça que se você falhar em qualquer dos três elementos do triângulo, a chance é de que a pessoa caída no chão seja você.
Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e Instrutor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.
E-mail: [email protected]
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