Policial
Crime Organizado - Entrevista
O crime organizado no Brasil é um fenômeno epidêmico que há muito tem minado os cofres públicos sob a forma de sonegação ou de recursos alocados para os órgãos de Segurança Pública.
Para falar sobre esse tema a Revista Fênix entrevistou uma dos papas no assunto, o Coronel do Exército Brasileiro Jori Dolvim Dantas. Ele é especialista em segurança pública, cuja linha de pesquisa abrange principalmente o terrorismo, o crime organizado e a violência urbana. O coronel participou de alguns dos maiores eventos a respeito desse assunto, e tem um senhor currículo no tema, podendo ser citados os seguintes cursos:
Nos EUA: Police Special Operations, Technical Intelligence, Tolerância Zero, Defense Planning and Resourse Management e recentemente, convidado pela Universidade de Defesa Americana para o curso Avançado em Terrorismo e Contra-insurgência;
Em Israel: cursou Inteligência Estratégica e Special Operations & Anti-terror Tactics;
Na Espanha especializou-se em Operacionaes Tacticas Avanzadas;
Na França, o curso de Criminologia. É pós-graduado em Psicopedagogia, Criminologia sob a ótica psicanalítica e Psicologia Social; entre outros.
É instrutor de vários cursos em órgãos federais como ABIN, ANP para a Polícia Federal, INFRAERO etc. Palestrante de seminários nacionais e internacionais abordando temas como Crime Organizado, Terrorismo, Inteligência Competitiva e Interpretação do Suspeito pela Linguagem do Corpo.
1. Há quanto tempo o país vive esse estado de guerra entre Crime Organizado e Segurança Pública, e qual a sua principal causa?
Em primeiro lugar, preciso esclarecer que as idéias expressas nesta entrevista são exclusivamente de opinião pessoal, como cidadão especialista em convulsões sociais e amparado constitucionalmente pela liberdade de expressão, não tendo, portanto, qualquer vínculo com a instituição a que sirvo.
Não há dados precisos para dizer a quanto tempo a ordem pública está submetida a estado crítico no Brasil, mesmo porque, esse cenário foi criado em circunstâncias variadas nos diversos estados da federação, em particular nas metrópoles, onde o problema se evidencia. Apesar disso, as principais causas desse problema são fáceis de enumerar. A crise da autoridade do Estado e a de valores parecem ser os primeiros aspectos causais.
De uns anos para cá, o país começou a viver uma patologia de identidade ética. A nação diante de tanta impunidade e de tantos escândalos de corrupção política e financeira perdeu um dos mais dignos conceitos de um povo: seu “referencial moral”. Ultimamente, o povo brasileiro encontra dificuldade para indicar um expoente público vivo, que seja uma referência de moralidade em que possa espelhar-se. Hoje em dia, para muitos jovens, o conceito de cidadão bem sucedido está associado a figuras que dispõem de vultoso patrimônio ou vivem prestigiados, não importa se os seus antecedentes são de quem furta, suborna, pratica o “trambique”, o calote, age como cínico e finge nada disso fazer ou saber, desvia recursos públicos, frauda, mente sem sentimento de culpa e não sente constrangimento algum ao ser flagrado na delinqüência.
Diante desse quadro, o que passa pela cabeça de um adolescente, que já nasceu excluído das condições mínimas de dignidade humana, quando assiste o lamaçal que envolve, impunemente, adultos, em particular seus governantes?
Não é de se espantar, que muitos jovens, pertencentes às camadas menos favorecidas, sem perspectivas sócio-econômicas, logo cedo, se desacreditem de agir honestamente e busquem na ilegalidade (tráfico de drogas, tráfico de armas, contrabando, jogos de azar, roubo e outros ilícitos) a possibilidade de viver, aceitando os riscos que isso envolve: abreviar sua existência e marginalizar-se como escória social por ser bandido pobre.
A crença na impunidade e a benevolência do Estado para com figurões em cargos nos poderes constituídos encabeçam as causas que estimulam a ilegalidade no País. Quando a pessoa perde a confiança no Estado, conseqüentemente deixa de assumir compromisso de lealdade a ele, perde o conceito de cidadania, de pátria, de nacionalidade e passa a simpatizar com (ou se vincular a) organismos que lhe possam suprir as necessidades.
Tal fenômeno já ocorre principalmente em comunidades carentes como as favelas do Rio de Janeiro. Por omissão do Estado, o crime organizado decreta luto, fecha escolas e comércio, compra remédio e paga transporte para atendimento hospitalar, distribui alimentos e atende quase sempre às necessidades básicas essenciais da comunidade. Alicia os melhores alunos da rede pública e lhes paga cursinho e faculdade particular de Direito, no anseio de tê-los amanhã como advogados do crime. Além disso, exige das comunidades a lei do silêncio e compra, mediante suborno, grande parte dos órgãos de repressão ao crime. Em outras palavras, assume as funções das instituições legais, dominando o topo da pirâmide do poder, no vácuo deixado pela fragilidade do Estado.
2. Quais são os principais focos de guerra do “crime organizado” no Brasil?
Excluindo os chamados crimes do colarinho branco, para tratar especificamente dos ilícitos ligados ao tráfico de drogas, pode-se apontar São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo como os membros da Federação em que o crime organizado opera maior volume comercial, cooptação e infiltração na burocracia estatal. Tal é a grandeza de benefícios ilicitamente pagos em troca de proteção, perpetração e conivência, que os chefes das quadrilhas não admitem contratempos aos seus negócios, advindos de certas instituições ou autoridades (des)constituídas. Um exemplo disso, que ficou famoso, é o episódio em que um funcionário de certo contraventor carioca ligou desesperado ao chefão, avisando-lhe que seu bunker estava sendo vasculhado pela polícia. Em resposta, o manda-chuva questiona seu interlocutor: “Que polícia é essa que não me avisou?”.
3. Existe a possibilidade de essa guerra se expandir para outros Estados da Federação?
Isso não é mais uma possibilidade, já é um fato, visto que redes do crime organizado há muito cruzaram divisas daqueles estados e já operam em todo o Brasil. Esses grupos organizados, com aptidão para a prática de ações típicas de guerrilha e de terrorismo, agem como milícias, uma espécie de braço armado de um estado paralelo.
4. Por que a polícia não consegue acabar com o crime organizado em São Paulo e principalmente nos morros do Rio de Janeiro?
Porque a sociedade é tolerante com o crime organizado e o aparelho estatal reflete isso, seja pela captação de agentes públicos para o serviço das máfias, ou pelo pacto de conivência implícita entre autoridades e contraventores ou chefes de quadrilhas, cada um estabelecendo seus domínios para liberdade nos negócios ilícitos, à vista de todos.
Um exemplo dessa conivência se sucedeu no Rio de Janeiro, quando um dirigente, em troca de apoio para campanha eleitoral, aceitou pactuar com contraventores, tendo-os compensado com a proibição às polícias estaduais de molestarem seus negócios, ou de subir os morros da cidade, para manutenção da lei e da ordem pública, alegando amparo nos preceitos dos direitos humanos.
Obviamente, esse tipo de acordo sempre se cerca de suspeições graves e desencadeia nas instituições policiais a depreciação em cadeia do padrão de conduta dos seus agentes, pois os estimula à mesma imoralidade. Considero este fato o marco histórico, no Rio de Janeiro, do início da derrocada da segurança pública naquele estado. Parece mesmo que isso funcionou como foco disseminador do contágio para outros estados da Federação. Atualmente, tentando amenizar a situação, o Estado brasileiro adota medidas urgentes para tirar o País da terceira colocação no pódio daqueles com maior índice de violência do mundo. Posição esta devida, principalmente, à guerra milionária do tráfico de drogas.
5. Quais seriam as medidas para solucionar ou amenizar os problemas do crime organizado no Brasil, numa perspectiva de curto, médio e longo prazo?
Segundo Moisés Naim, autor do livro “Ilícitos”, a globalização trouxe para o mundo de hoje cinco guerras: tráfico de drogas, tráfico de armas, apropriação ilícita do conhecimento, tráfico de humanos e lavagem de dinheiro. Essas guerras apareceram devido à organização do crime. Vou ater-me, basicamente, nas duas primeiras e na última dessas guerras para sugerir medidas.
A primeira medida necessária diz respeito à Inteligência. As atividades de inteligência das polícias civis e militares não estão integradas, e elas trabalham isoladas sem conexão com os demais órgãos de Segurança Pública (Polícia Federal, Polícia Rodoviária, DETRAN e outros). O Estado de São Paulo tem implementado essa atividade, criando um centro integrado, por isso tem sido mais eficiente na gestão da segurança pública e no combate ao crime organizado. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) está coordenando excelente programa de melhoria de desempenho junto aos órgãos de segurança pública, exatamente para implementar nos estados uma padronização das atividades de inteligência e doutrina de emprego das polícias civis e militares.
A segunda medida seria o aprimoramento dos níveis de seleção e de formação das polícias estaduais. A deficiente capacitação profissional e moral, bem como a má remuneração salarial têm incrementado excessivamente a vulnerabilidade das polícias quanto à prática da violência e da corrupção vinculada a grupos do crime organizado. Esses problemas afetam quase todas as polícias estaduais.
A terceira medida depende exclusivamente da vontade do governo, pois, estratégias e recursos para a prevenção e redução do tráfico de drogas o País tem. Seria bastante adotar ações como as seguintes: ocupar e controlar as fronteiras do Brasil em operações conjuntas de vários órgãos estatais (Exército, Polícias, Judiciário, Receita Federal e outros); controlar rigidamente portos, aeroportos, rodovias e vias fluviais, sabidamente rotas do narcotráfico; atuar nas comunidades que abrigam traficantes, assistindo-as com ações sociais e controlando os acessos a elas com as polícias; empregar as Forças Armadas em áreas urbanas somente quando for decretado estado de defesa ou de sítio; interditar as conexões entre líderes encarcerados e membros da facção em liberdade; proteger juízes e seus familiares das ameaças; dificultar a concessão de benefícios a chefes do crime por descuido do Estado no andamento dos processos de investigação ou de instrução penal.
6. O crime organizado tem desencadeado ações terroristas em alguns estados, como São Paulo. As polícias militares e civis têm capacidade para enfrentar o terrorismo?
Preciso esclarecer que o combate ao terrorismo nos níveis estratégico, operacional e tático tem duas vertentes: o antiterrorismo, que compreende a execução de medidas preventivas e defensivas; e o contra-terrorismo, que compreende o desencadeamento de medidas potencialmente ofensivas. Acredito que as polícias estaduais tenham condições de responder com eficiência as medidas preventivas e defensivas. Posso citar como exemplo a proteção de instalações públicas, patrulhamento ostensivo, controle de pontos críticos, emprego integrado das atividades de inteligência, busca e apreensão etc. Se a situação exceder a capacidade de resposta da força policial, o Governo Estadual pode declarar haver esgotado seus meios disponíveis de combate. Nesse caso, mediante ordem do Presidente da República, as Forças Armadas poderiam atuar com suas tropas especiais (Brigada de Operações Especiais do Exército e o Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais), preparadas diuturnamente para o combate ao terrorismo. O emprego das Forças Armadas em situações como essa, só é pertinente quando decretado o estado de defesa, ou o estado de sítio ou da intervenção federal, ocasião em que as Forças Armadas assumiriam o comando completo dos Órgãos de Segurança Pública (OSP).
Convém ressaltar que a onda de violência desencadeada pelas facções criminosas do PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho) em São Paulo e Rio de Janeiro respectivamente, não passou de uma demonstração de força do estado paralelo. Ficou claro que a intervenção do Estado constituído na seara dos negócios do crime organizado, é inaceitável. Infelizmente, prevaleceram os interesses pactuados pela conivência de autoridades (des)constituídas e contraventores.
Esse tipo de provocação executada por vândalos e com o intento de mostrar quem tem o poder, não é considerado terrorismo. Seria terrorismo, se as motivações dos atentados tivessem, por exemplo, cunho político-ideológico e com a intenção de desestabilizar o Governo Federal constituído.
7. Em seu ponto de vista, existe para o Brasil outra ameaça interna além da ascensão do crime organizado?
No contexto de Segurança Pública, o Movimento dos Sem Terra (MST) é um dos grupos que mais ameaçam o Estado democrático de Direito. Grupo extremamente organizado, ideologicamente orientado, hierarquizado e apoiado por uma logística de fazer inveja a qualquer líder de movimentos insurgentes. Sob a bandeira “politicamente correta” de pleitear a reforma agrária, arregimentam milhares de deserdados, utilizando-os como massa de manobra para a prática de crimes contra o patrimônio público (Congresso Nacional) e privado (Vale do Rio Doce), fazendo reféns, mantendo pessoas em cárceres privados, assaltando etc.
A ação à revelia da lei e da ordem se multiplica porque autoridades constituídas não cumprem seu dever de fazer valer a lei. Para agravar a situação contam com recursos públicos, a ele repassados por ação triangular que envolve agentes públicos simpatizantes do movimento e organizações não-governamentais, de modo que o MST tenha volumosa receita sem que formalmente seja entidade registrada em cartório. Sem essa fonte o MST há muito já teria perdido seu poder de arregimentação. Estranho mesmo é saber que esses crimes em série são anunciados e o próprio governo prossegue liberando somas vultosas para financiar tal bandalheira de criminosos.
Fonte: Sindicato dos Delegados de Policia Federal - Revista Phoenix
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