Um dia, me chamou pra acompanhá-lo em uma visita muito importante. Entenda que se ele faz é porque é importante, senão ele mandava outro e ele manda muito bem. Chegamos ao gabinete de um político muito bem relacionado, mas terrivelmente encrencado. Nos identificamos formalmente e todas as portas se abriram, porque o figurão precisava da gente. Arrego! Como o mundo muda quando a polícia é necessária! Sentamos os três pra discutir um problema. Sabe quando você só pensa em não cometer nenhuma gafe e não atrapalhar nada? Não demorou pra eu chegar à conclusão de que era melhor ficar caladinha, pequenininha, conformadinha. Enquanto colocava a situação, o político deixava bem claro que a palavra "polícia", pra ele era sinônimo de "capacho para meus caprichos" dizendo: "Façam assim e assado, não quero que seja deste nem daquele jeito..." Até que encerrou o discurso com uma pergunta: "Estão entendendo bem?" Congela. E antes que eu me levantasse e fizesse uma continência gritando "Sim senhor!!!" (de onde tirei essa continência?!), meu colega, que ouvia tudo com cara de paisagem, fez uso da palavra. O que ele disse, num resumo prejudicado pela minha parca capacidade de síntese, foi isso: "Faremos o trabalho que nos compete do nosso jeito, ou seja, do jeito da polícia e não do seu jeito, excelência".
Todavia, meu colega era tão seguro, tão adequado, tão bem preparado, tão profissional, tão convincente, tão senhor da situação, tão incisivo, tão capacitado, tão eloquente, tão educado, tão nobre, tão articulado, tão necessário, tão MBA, tão forte, tão príncipe, tão perfeito, tão bonito, tão Jack Bauer que o político foi mudando o tom de voz e passou a nos perguntar como ele deveria proceder pra colaborar. Cruzei os braços, corrigi a postura para o modo "a-polícia-é-f.era" e assisti de camarote a dinâmica da conversa mudando ali na minha frente. Agora o figurão pedia a nossa autorização para fazer alguma coisa que nem nos cabia autorizar... e quase pede desculpas por ser um... político! Era um verdadeiro espetáááááculo de arena e meu colega Jack Bauer levantou-se viril, abotoou o terno Jack Bauer dele e saiu de cena com a mesma elegância Jack Bauer com que entrou, como se ser Jack Bauer pra ele fosse fácil, uma coisa banal. A fotografia que faço de meus 1,78 m de altura (O.k , eu tava de salto... Tá bom, um salto enorme!) ao lado desse colega gigante ao despedirmo-nos é a de uma grande promessa. Ele vai ter que me ensinar, ah vai.