Imagine trabalhar num ambiente onde a proporção é de dez homens para uma mulher. Imagine muita testosterona, músculos e tatuagens expostas para quem quiser apreciar. Soa como a versão feminina daquela promessa das dez virgens para um mártir. Mas não. Não é.
Ter o passe livre para o vestiário masculino é uma prerrogativa que você recebe como um prêmio. Significa que você foi aceita pelo grupo e agora eles não vão implicar tanto por ter uma mulher na equipe. Você vai comer com eles, vai viajar com eles, vai participar das conversas deles, vai saber o que eles pensam e como se comportam. Você será tratada, na maioria das vezes, como se fosse um deles! Eu achei que isso era tudo o que eu queria. Mas não. Não é.
O reallity show no mundo dos machos humanóides não é nada romântico. Mas a gente sempre pode tentar ver as coisas como uma experiência antropológica. Vou tentar não generalizar porque, acreditem, há exceções. Mas o que você espera encontrar por trás daqueles músculos, e braços e pernas malhados e barriga de tanquinho é muita saúde pra dar, no mínimo. Mas não. Não é.
A fuga da realidade, da decepção com Deus e o mundo, das dores familiares, da carreira policial desestruturada, da inabilidade para lidar com os seus próprios problemas existenciais levam o guerreiro a se entregar a uma vida dissoluta de mentiras. Os ternos e gravatas alinhados, as roupas operacionais e equipamentos táticos, o armamento e distintivos são praticamente irresistíveis à maioria das fêmeas da espécie, que encontram nisso sinais de poder, proteção, estabilidade. Mas não. Não é.
O índice de policiais que consomem anabolizantes, álcool, viagra, remédios para dormir, para pressão, para depressão é impressionantemente assustador. Você pensa que, pela lógica, a maioria das causas das mortes de policiais é a rua, o confronto com bandidos. Mas não. Não é.
O sistema esconde da esposa as reiteradas traições do marido; Esconde na avaliação de desempenho a péssima produção do antigão que não quer nada com nada e não faz porcaria nenhuma o dia todo e todo dia; O parceiro não entrega que a viatura capotou porque o policial condutor estava alcoolizado; O PM libera o policial surpreendido com o traveco dentro da viatura policial e a família nunca vai saber; A remoção ex-offício não é por interesse da administração coisa nenhuma, mas porque o herói está endividado e precisa desgraçadamente da ajuda de custo... Sei que parece simples criticar tudo, jogar os outros na fogueira e se revoltar contra o sistema nessas horas. Mas não. Não é.
Olha lá! Ele não é feliz.
Sempre diz que é do tipo cara valente,
Mas veja só, a gente sabe...
Esse humor é coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão.
Então, não faz assim rapaz.
Não bota esse cartaz.
A gente não cai não...
Ele não é de nada.
Essa cara amarrada
É só um jeito de viver nesse mundo de mágoas".
(Maria Rita, Cara Valente)