Policiais mortos não protegem ninguém.
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Policiais mortos não protegem ninguém.



Em fevereiro de 1999, quatro policiais do Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD) estavam procurando por um suspeito de estupro. Era noite e quando eles encontraram Amadou Diallo, que se encaixava na descrição do homem que procuravam, os policiais desceram da viatura e pediram para que ele ficasse parado. Quando o suspeito começou a correr para entrar num prédio, os policiais iniciaram a aproximação rapidamente. Assim que o suspeito alcançou a entrada de um edifício de apartamentos, o nível de estresse aumentou e os policiais começaram a gritar: “Pare! Polícia!”

Mas Amadou Diallo, de 22 anos, imigrante africano e vendedor ambulante, recusou-se a atender aos comandos. E quando ele chegou à principal escadaria do prédio, os policiais o viram dar meia volta e colocar a mão direita no bolso da calça – sob intenso medo, os policiais pensaram que seriam baleados.

Como qualquer policial que tenha enfrentado situação semelhante sabe, a hesitação pode ser um erro fatal. Para um suspeito que ignora os comandos, força uma perseguição a pé, escapa para dentro de um prédio e repentinamente dá meia volta e leva a mão até o bolso como se fosse pegar uma arma, só existe uma resposta para aqueles policiais que desejam sobreviver. Dessa forma, Amadou Diallo acabou morto em função dos disparos efetuados pelos policiais.

Amadou Diallo deu início à reação de sobrevivência dos policiais quando fugiu durante a tentativa deles em abordá-lo, e assim começou a perseguição (Talvez ele fosse o estuprador!). O estresse se intensificou quando Amadou se recusou a obedecer às ordens policiais. Ele entrou em um prédio ignorando as ordens legais para parar. Ele correu para a escadaria e continuou não obedecendo às ordens para parar (Talvez ele tivesse uma arma!). O estresse se elevou ainda mais quando o suspeito se virou de repente para os policiais, colocou a mão no bolso e agarrou alguma coisa (O que ele tinha?). Sua mão tirou algo do bolso. Era um objeto escuro. Alguém gritou: “Arma!” (Isso já foi visto antes, o suspeito não coopera e a polícia usa a força. Ele tenta matar o policial para não ser preso).

O suspeito realizou todos os movimentos corporais e deu todas as dicas que sugeriam que ele tentaria reagir. Um policial percebeu isso, e tentando proteger o colega e a si mesmo, gritou que o homem tinha uma arma. Esse policial, mais vulnerável e próximo da ameaça, disparou 16 tiros em menos de quatro segundos à medida que se afastava de Amadou Diallo caminhando de costas escada abaixo, o que é extremamente difícil durante situações de estresse. O policial caiu e se machucou. O outro policial que estava ao lado deste primeiro, e que ouviu o aviso sobre a arma, também disparou 16 vezes. Os policiais que estavam atrás desses dois viram que um deles caiu de costas. Eles também dispararam para salvar os colegas. Até aqui, nenhum dos policiais podia ouvir bem. Em função da exclusão auditiva e a quantidade de tiros disparados, eles não podiam distinguir entre os tiros disparados por eles daqueles disparados pelo suspeito. Os três policiais ao verem o colega cair na escada pensaram que ele tinha sido atingido. Alguns projéteis estavam passando por eles confirmando que eles estavam sob ameaça mortal. Até aqui o suspeito não tinha sido incapacitado porque nenhum tiro atingira qualquer parte vital. Os policiais pensaram: “Os tiros o estão atingindo?” O caos se instalou e os policiais tinham que salvar uns aos outros e não serem mortos durante o confronto. Finalmente Amadou Diallo caiu e o tiroteio parou. Tudo isso em quatro segundos.

Os dois policiais mais próximos à ameaça dispararam 16 tiros cada um – a capacidade da pistola usada pela polícia de Nova Iorque –, esvaziando suas armas. Os outros dois policiais, mais afastados, não dispararam mais que seis tiros. O confronto ocorreu à noite. E a escuridão, combinada com a visão em túnel, reduziu drasticamente a capacidade de enxergar bem. O suspeito subiu alguns degraus e se colocou em um ponto de maior vantagem em relação aos quatro policiais. Os degraus de alvenaria possibilitaram que os projéteis ricocheteassem em direção aos atiradores.

Mas o pior pesadelo para esses quatro policiais se tornou realidade quando eles descobriram que Amadou estava desarmado.
Policiais costumam dizer que matar alguém durante o cumprimento do dever é o evento mais estressante que pode ocorrer durante a carreira policial. Mas quando esses policiais descobrem que a pessoa que eles mataram está desarmada e que a percepção da ameaça foi um erro de julgamento, a angústia se torna insuportável.

Infelizmente, a polícia de Nova Iorque ainda estava realizando testes para determinar uma mudança de munição quando a morte de Amadou Diallo ocorreu. Na época do tiroteio, os policiais usavam munição com projétil encamisado total ogival (ETOG) que tende a ricochetear com mais freqüência que o projétil expansivo ponta oca (EXPO). Talvez, os policiais envolvidos na ocorrência tenham confundido os projéteis de suas próprias armas que estavam ricocheteando ao atingirem a escadaria e as paredes com possíveis disparos efetuados pelo fugitivo.

Após uma completa apuração do caso e um pouco de percepção sobre o que ocorre em um confronto dinâmico e violento, não é difícil imaginar como o tiroteio ocorreu. Os efeitos da reação de sobrevivência, as considerações sobre o ambiente da ocorrência (escadaria, corredor estreito, pouca iluminação, ou seja, locais onde o tempo de exposição do policial deve ser o menor possível, devido à desvantagem tática), a percepção dos policiais baseada no comportamento do suspeito, a proximidade da ameaça e o tempo mínimo para reagir, o fato de um policial ter caído e se ferido dando a impressão de ter sido baleado e o desempenho da munição (falha em incapacitar imediatamente o agressor e ricochetes), tudo se combinou para esse desastre.

Enquanto 41 tiros parecem excessivos, na verdade não são. Havia quatro policiais atirando, mas somente 19 projéteis acertaram Amadou Diallo – um percentual de acerto de 46% –, e apenas um foi fatal. A maioria dos disparos atingiu as pernas e os braços de Amadou Diallo. Isso demonstra um cenário mais próximo da realidade do que aqueles mostrados pela TV. Infelizmente muitas pessoas são educadas pelos tiroteios e confrontos violentos dos filmes mostrados na televisão. Na TV o criminoso é sempre incapacitado com apenas um tiro, voa para trás e fica impossibilitado de continuar a luta.

Os policiais que confrontaram Amadou Diallo pararam outros possíveis suspeitos antes de tentarem interrogá-lo. A diferença é que eles não encontraram resistência por parte dos outros suspeitos. Uma pessoa ponderada colabora com a polícia quando parada e entrevistada, mesmo que a ordem não faça sentido imediatamente.

Descobriu-se mais tarde que Amadou Diallo havia pedido asilo nos Estados Unidos, mas mentiu ao preencher o requerimento no Serviço de Imigração e Naturalização e, apesar de sua permanência legal no país, seu visto para trabalho expiraria em abril de 1999. Talvez ele estivesse com medo de ser deportado pelos policiais que o abordaram; talvez achasse que seria assaltado, uma vez que os policiais estavam à paisana e saíram de uma viatura descaracterizada; mas se ele ficasse parado e respondesse as perguntas dos policiais o incidente terminaria pacificamente. Qualquer atitude diferente da cooperação aumentará a suspeita e o medo no policial, causando a escalada da força. Pessoas agressivas freqüentemente não seguem as ordens policiais. Aqueles com armas ou objetos roubados correm ou atiram contra o policial, percebendo que estão prestes a serem presos. A abordagem a uma pessoa calma e cooperativa tende a gerar certa tranqüilidade no policial. Mas quando se confronta uma pessoa resistente, extremamente nervosa ou agressiva, é normal que o nível de alerta do policial aumente. E é isso que ajuda o policial a sobreviver.

A segurança das pessoas e dos policiais é mais importante que a segurança dos criminosos. O agressor toma a decisão de resistir ou cooperar. Os policiais envolvidos no caso Amadou Diallo pensaram que estavam na iminência de serem baleados por um suspeito armado. Evidentemente, demonstrou-se que Amadou estava desarmado. Contudo, a percepção dos policiais era a de que ele tinha uma arma. Se um policial pensa ter visto uma arma e grita que o suspeito está armado, todos os policiais envolvidos irão naturalmente pensar que, de fato, existe uma arma.

No mês de março do mesmo ano os quatro policiais foram acusados pelo homicídio e poderiam ser condenados a uma pena de 25 anos, mas em fevereiro de 2000 todos eles foram absolvidos. Eles não receberam qualquer punição do Departamento de Polícia de Nova Iorque, pois agiram da forma como foram treinados.

Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG e Instrutor de Armamento e Tiro.
E-mail: [email protected]



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