Estado de carência.
Policial

Estado de carência.



Ando cheia de uma tal espécie de carência que até o cãozinho fofo que pulou nas minhas pernas hoje de manhã sentiu pena de me deixar correr sozinha os 6 km e me acompanhou ida e volta. Cachorro pega essas coisas no faro. E eu tentando vender o contrário.

Pra ser sincera, não tem sido nada fácil ver meus vínculos afetivos se perdendo na distância de morar longe da minha família e dos meus amigos antigos. Me sinto como uma foto guardada, da qual só se lembram quando alguém a encontra fortuitamente. Já fiz terapia pra entender essa minha dor de ausências. No início a psicóloga elogiou minhas respostas honestas (honestamente? Com a grana que eu tava gastando eu mentiria pra ela pra que, né?!). A psicóloga queria ser minha amiga. Devo despertar sentimentos maternais nas pessoas, porque ela achava que deveria cuidar de mim e me dar broncas. Um dia, na terapia ela me deu uma bronca terrível, até aí tudo bem porque eu mereci, mas ficou visivelmente sensibilizada quando desatei a chorar. Sentiu pena de me deixar chorar sozinha. Cobri o rosto com as mãos quando ela puxou sua cadeira pra perto da minha, tentou me abraçar, mas eu não queria abraço. Psicóloga é psicóloga; amiga é amiga; mãe é mãe. Mesmo assim, me dobrei como quem se contorce de dor e vergonha da mãe e chorei no colo dela como se fosse minha amiga. Resultado: não pude mais. Achei maldade não cooperar e acabei dando as respostas que a psicóloga queria ouvir pra ela ficar feliz e eu receber alta logo.
 
No estado de carência, a aproximação de alguém desperta sentimentos confusos e variados. Já passou por isso de querer um colo pra escapar de uma dor intensa, mas sua família e seus amigos estão longe e você se deixa chorar no primeiro colo que aparece? "Ora, Novinha, isso é normal". Pois então tome cuidado, porque muitas vezes só vai aparecer cachorro pra te dar colo, eles pegam essas coisas no faro. Aí você vai levar bronca, vai chorar muito e ainda vai pagar caro por isso.



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