Guerra ao Terror
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Guerra ao Terror


O homem é um gaúcho daqueles austeros, mas sem os rigores dos afetados. José Mariano Beltrame ultimamente tem recebido tantos prêmios, medalhas e homenagens que, confessa meio sem jeito que fica com certo receio porque considera o reconhecimento importante, mas francamente acha um pouco esquisito um secretário de Segurança Pública ser objeto de tantos festejos.

Muito menos em se tratando do responsável pela segurança do público no Estado mais problemático do País na questão da criminalidade.

O diagnóstico é dele: "O Rio é mesmo um caso diferente. A polícia tem de cuidar ao mesmo tempo do crime de rua, das facções fortemente armadas, das milícias e dos territórios controlados".

E aqui, principalmente nesse último item, reside a razão deste delegado da Polícia Federal de 53 anos de idade ter se tornado uma espécie de coqueluche da cidade: as Unidades de Polícia Pacificadora.

Estado de São Paulo: De dezembro de 2008 até agora ocuparam 17 morros do Rio. A polícia não entra e sai. Entra e fica. Para sempre. Acabou o tráfico?

José Mariano: Não. Acabou o controle dos territórios, o Estado retomou o controle dos espaços e, com isso, 140 mil moradores recuperaram a liberdade até mesmo de ir e vir.

ESP: Problema resolvido?

JM: Nem de longe. Na verdade é um começo. Mas, na cidade a sensação ao menos é de que algo se move, já que o processo de dominação começou há 40 anos e de lá para cá sucessivos governos não apenas ignoraram o problema como alguns deles chegavam a negar sua existência.

ESP: O plano prevê a implantação de 40 UPPs até 2014 em cerca de 150 comunidades, alcançando 500 mil pessoas. Isso resolve o problema?

JM: Também não. "Mas faz com que as coisas caminhem", diz o secretário.

ESP: Há indicadores de resultados, embora a atual equipe da Secretaria de Segurança não goste muito de trabalhar com estatísticas.

JM: Há preferência pelo conceito. E, nesse caso, a filosofia é o controle do Estado como causa e o combate ao crime, à violência, como conseqüência. De todo modo, os números ilustram.

Dois exemplos, um morro da zona sul, o Dona Marta, onde na década dos 80 o cineasta Spike Lee pagou pedágio ao tráfico para filmar Michael Jackson, e Cidade de Deus, na zona oeste, do filme do mesmo nome.

O período de comparação é o mesmo: novembro de 2008 e novembro de 2009. No morro Dona Marta os homicídios caíram 100%,roubo de carros, 44%, apreensão de drogas aumentou 100%. Na Cidade de Deus homicídios caíram 82%, roubo de carros, 83%, apreensão de drogas cresceu 550%.

Não há mágicas ou algo de espetacular em jogo. É mais simples: é um jeito de mostrar que é possível.

ESP: Se é possível retomar o controle de territórios dominados por que no Rio ficaram tanto tempo sob domínio do crime?

JM:Por duas razões: a leniência do Estado e a tolerância da população.

ESP: O senhor poderia ser mais específico?

JM:Há muitos interesses envolvidos. Não resolvemos o problema, só fizemos parar um trem que vinha descarrilado. Tínhamos problemas graves de milícias com ramificações dentro das Casas Legislativas; o tráfico tinha o domínio em determinadas áreas onde o Estado não se mostrava presente.

ESP: Havia ramificações no Judiciário?

JM: Isso eu não vi e muito menos poderia provar.

ESP: E a tolerância da população, como se expressa?

JM: Por exemplo, há anos a sociedade vê a Rocinha crescendo e ninguém se pergunta quais são os interesses que permitam que isso aconteça. Todo mundo parece que acha normal.

ESP: É a milícia a ponte de ligação com a política?

JM: A milícia é formada por policiais e o policial criminoso é bandido ao quadrado. A milícia trata de formar sua rede de protegidos e assegura que naquela área só determinados candidatos tenham acesso. Isso dá à milícia uma configuração de crime organizado. Ao contrário do tráfico, que é totalmente desorganizado.

ESP: Qual é a diferença?

JM: A milícia tem chefes, estrutura quase empresarial e planejamento. As pessoas sentam, pensam e se articulam para executar as ações: da contabilidade aos assassinatos. Já o tráfico briga entre si, é barulhento, é violento, mas não é organizado.

ESP: Quando o senhor chegou à secretaria, tinha indicação política na polícia?

JM: Ao que se sabe, eram a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal que indicavam. Hoje não tem. Até porque eu não poderia ter feito nada em bairro nem em comunidade alguma se o comandante não fosse nomeado por mim.

ESP: O problema da violência no Rio é pior, diferente de São Paulo, ou do restante do Brasil?

JM: O Rio é um caso específico. A polícia trabalha contra o crime da rua, trabalha contra três facções criminosas e ainda trabalha contra as milícias. Nos outros Estados não há essa diversidade: facções muito armadas junto com a questão forte de territórios dominados e uma visibilidade grande porque, ao contrário de São Paulo, onde essas pessoas ficam nas periferias, no Rio é tudo muito mais barulhento.

ESP: O clima melhorou, mas e o tráfico propriamente dito?

JM: Não tenho a pretensão de acabar com o tráfico. Meu objetivo é tirar a arma pesada das mãos do bandido que domina territórios e escraviza comunidades. Enquanto houver doentes haverá drogas. Agora o que não é admissível é um sujeito com arma na mão determinar aonde vai ou deixa de ir uma pessoa. O que acontece é que se acaba combatendo o tráfico por tabela.

ESP: Como?

JM: No momento em que eu tiro as armas do traficante, as pessoas que comercializam as drogas perdem o território e ficam muito enfraquecidas.

ESP: E onde estão os traficantes que deixaram os morros já ocupados pela polícia?

JM: As lideranças do tráfico vão para seus redutos de origem. Alguns são presos pela polícia antes da ocupação, mas há o "soldado" do tráfico que ainda permanece no morro e pode ir para a rua praticar os roubos e aí é preso. Ou denunciado pela própria comunidade que aos poucos perde o medo de falar.

ESP: Há plano para prender os grandes?

JM: É uma segunda etapa. Vamos fazer um trabalho de cerco: ou vamos prender ou eles vão fugir ou podem perder a vida num confronto.

ESP: Já se percebem mudanças no cotidiano dessas comunidades?

JM: Onde havia milícias as pessoas se sentem melhor, mas ainda têm medo. Nas áreas de UPP a melhora é mais acentuada porque o mesmo policial está sempre ali, é visto pela população repetidas vezes e vai criando uma relação de confiança. Em alguns lugares os policiais já participam de casamentos, de festas, batizados. Aos sábados, eu mesmo costumo ir com minha família.

ESP: Como se foi feito?

JM: O conceito é mundial, de polícia comunitária. A execução demandou um ano e meio de planejamento, trabalho diário de equipe, paciência e carta branca do governador.

ESP: O que assegura a continuidade do projeto?

JM: Se o próximo secretário for um político não vai mexer nisso porque vai perder votos. Se for um técnico fica mais fácil porque vai levar em conta os dados.

ESP: E quem garante que o tráfico não retoma o controle dos territórios?

JM: Eu garanto. Se entrarem com 10, 15 bandidos num morro eu ponho 500 homens e corro com eles de lá.

ESP: Correr aí é um eufemismo?

JM: A polícia não quer matar ninguém, mas ela também não vai pôr a cabeça debaixo da mesa. A polícia comete excessos? Comete, mas isso não pode nos impedir de agir. É complexo? É, mas se não se impuserem limites, fica cada vez pior. É preciso enfrentar.

ESP: Política de enfrentamento é o nome do jogo?

JM: Eu diria que o Estado tem de se colocar. Porque para o bandido não existe Constituição, Código Civil, nada, o território é deles e acabou. É contra isso que o País precisa se posicionar. O Estado é o detentor do monopólio da força. Penso que quanto mais política social eu tiver menos segurança eu preciso. Mas numa área onde eu estou impedido de entrar, como vou fazer?

ESP: A chamada ala dos direitos humanos não gosta muito desse discurso.

JM: Pois o discurso dessas pessoas é que precisa se modernizar. Há anos é sempre o mesmo. A mesma história da mão de ferro do Estado como se estivéssemos na década de 70. A realidade mudou e os horizontes precisam mudar.

ESP: Que tipo de mudança?

JM: Deixando de enxergar apenas as diferenças para olhar para as igualdades. O discurso é unilateral e excludente, não considera que a polícia é a mesma que faz a UPP, que diminui os índices de criminalidade, que tira armas da rua. Escuto as críticas, mas é preciso compreender que o tempo passou, a realidade mudou e que o adversário é o bandido.

ESP: Por que os governos federais não conseguem fazer nada na área da Segurança?

JM: A razão não sei, mas sei que a questão só se resolve com o envolvimento efetivo da União, dos municípios, dos Estados, de todos. Não se pode fazer uma discussão em cima de episódios; é preciso uma ideologia de segurança, de muito investimento em estrutura, tecnologia, treinamento e principalmente capacidade de decisão.

ESP: A proposta do candidato José Serra, de criação do Ministério da Segurança Pública, o que lhe parece?

JM: Depende. O importante não é o nome da coisa, mas saber como e se a coisa vai funcionar. Não adianta criar estruturas por criar. O importante é que tenham rapidez e capilaridade. Se o instrumento é Ministério ou Secretaria Nacional de Segurança como existe hoje, tanto faz.

Fonte: Estado de S. Paulo




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