Uns sob a suspeita de recebimento de propina e prática de caixa dois em campanha, como desdobramento da Operação Castelo de Areia. Outros nos 3.000 inquéritos abertos para apurar desvios de verbas federais em prefeituras.
A informação é do ex-diretor-geral da PF Luiz Fernando Corrêa, que será substituído nesta semana pelo atual superintendente de São Paulo, Leandro Coimbra.
Na Operação Castelo de Areia foram apreendidas com executivos ligados a construtoras planilhas nas quais constavam valores associados a nomes de políticos de diversos partidos. A PF só aguarda uma autorização da Justiça Eleitoral para abrir os inquéritos.
Ao fazer um balanço de sua gestão, após três anos e três meses no cargo, Corrêa negou que tenha sofrido pressões políticas no cargo e disse que deixa como marca a "despersonalização" da polícia.
Folha - Que marca o sr. deixa na PF?
Luiz Fernando Corrêa - Um dos princípios pelos quais nós lutamos foi 'desfulanizar' a polícia. Mas não tenha dúvida de que coube à nossa geração implementar o conceito de gestão na PF, de aplicar métodos da iniciativa privada. Pegamos os quatro principais contratos que mais oneravam o funcionamento da polícia e, só no primeiro ano, foram quase R$ 37 milhões de redução.
*Mas e em relação às investigações?
A melhoria da qualidade da prova [...]. Aqui não é crítica, mas quase se chegou ao ponto de banalizar a prisão temporária. Nós determinamos que o foco fosse a prisão preventiva. Para um juiz conceder uma prisão preventiva, os pressupostos são mais rigorosos. Quando nós chegamos, a polícia trabalhava com 60% de prisão temporária e 40% de preventiva. Em 2009, já passamos para mais de 70% de preventiva. Outro ponto importante é a redução do estoque de inquéritos. Passamos a relatar (concluir) mais, sem diminuir o número de instaurados.
Qual será o foco da PF nos próximos anos?
O enfrentamento sistêmico da atividade criminosa. Um exemplo é o combate ao desvio de dinheiro público em prefeituras. A Controladoria Geral da União já vem por meio de sorteios fazendo inspeções. O número de desvio dessas verbas (federais) é sempre significativo. Temos aproximadamente hoje 3.000 inquéritos para investigar desvios em prefeituras. Se considerarmos que temos hoje 5.600 municípios, mais da metade das prefeituras está sob investigação.
A Operação Satiagraha marcou o debate sobre a ação da PF. Ela foi um erro ou foi um acerto?
Foi uma oportunidade para validar os princípios que nas demais operações se consagraram: da impessoalidade e da qualidade da prova. Da impessoalidade, no sentido de que não interessa quem está sendo investigado nem que é o investigador. Fizemos outras grandes operações depois e talvez nem a imprensa nem os cidadãos saibam quais foram os responsáveis pelas investigações.
O delegado Protógenes Queiroz foi perseguido pela direção da PF?
Em todos os procedimentos quando questionados pelos órgãos de controle, incluindo o Ministério Público, ficou muito claro que foi a operação de maior investimento, maior mobilização de gente, até contrariando esses conceitos de gestão de qualidade e transparência do gasto. Perseguição, sinceramente, da minha parte não houve, tanto é que, com a exceção do hoje deputado (Protógenes) que fez uma opção pelo enfrentamento à administração, os demais envolvidos na investigação foram reaproveitados. Não era o conjunto, era uma questão comportamental e comportamento a gente não discute.
Quando a Castelo de Areia for destrancada na Justiça, a classe política deve se preocupar?
O que se suspeitava ser eleitoral, a polícia destacou e informou ao Ministério Público, que por sua vez solicitou autorização à Justiça Eleitoral. Se os dados que existem ali caracterizarem crime eleitoral, com certeza haverá uma investigação específica. São operações de cunho financeiro. Mas, ao se fazer a investigação financeira, constatou-se umas tabelas com nomes e valores. Isso pode significar doações? Sim, pode. Pode significar doações legais ou não, e quem faz esse filtro é a Justiça Eleitoral. O que for ilegal, volta para a polícia instaurar inquérito.
Pela natureza das planilhas, pode-se esperar uma investigação com muitos nomes políticos?
Não posso citar nomes nem números, mas são várias situações de listas, com nomes e valores ao lado. Se tiver cunho eleitoral, serão apurados, sejam tantos quantos não comprovem a legalidade das doações.
Na Operação Boi Barrica, a PF investigou negócios da família do senador José Sarney (PMDB-AP), que sempre contou com prestígio no governo Lula. O sr. sofreu pressões políticas nesse e em outros casos?
A gente sabe que houve desconforto, mas não pressão a ponto de emperrar a investigação. Até porque é preciso entender que já passou o tempo em que se tinha controle sobre a polícia no sentido que a polícia era uma instituição com controle absoluto da investigação. Nós estamos num estado democrático de direito onde a atuação policial avança só com medidas judiciais e com controle do Ministério Público. Então a polícia não entra na conta de ninguém. Se a polícia parasse por pressão política, os responsáveis por essa paralisação estariam sendo investigados pelos membros do Ministério Público. O Poder Judiciário estaria cobrando o resultado de medidas que foram representados. E por vocês da imprensa que fazem um grande controle.
Não é fácil fazer investigações quando envolve pessoas públicas, mas o lastro profissional e o nível profissional nos permite conduzir com impessoalidade.
Na gestão de seu antecessor, o delegado Paulo Lacerda, vimos muitas operações com autoridades sendo investigadas. Uma delas atingiu até um irmão do ex-presidente Lula. Quando o sr. assumiu, houve muitas críticas de que sua gestão seria para estancar ações que incomodassem o governo. Passados três anos, como o sr. responde essas críticas?
Primeiro lugar, considerando-se o contexto, até pode-se imaginar que se justificasse a preocupação de que poderia haver um arrefecimento.
Mas o que nós fizemos foi melhorar a qualidade da prova. O desafio é ter uma prova robusta e observar estritamente a Constituição no que se refere aos direitos individuais. Continuamos com as operações. Diminuímos a visibilidade, mas passamos a ter um objetivo, que é buscar pelo conteúdo e pelo resultado das investigações.
O nosso receio era perder um pouco da confiança da população se diminuíssemos a exposição. Mas as últimas pesquisas nos mostram que tivemos sucesso em manter a credibilidade perante a opinião pública.